RELLIBRA

LIBEA - Literatura Brasileira de Expressão Alemã
PROJETO DE PESQUISA COLETIVA (USP/Instituto Martius-Staden)
Grupo de pesquisa RELLIBRA – Relações linguísticas e literárias Brasil-Países de língua alemã
Coordenação geral: Celeste Ribeiro-de-Sousa
Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã - USP

 

GERTRUD GROSS-HERING (1879-1968): VIDA E OBRA

Autoria: Celeste Ribeiro de Sousa, 2016.
Direitos autorais: veiculação autorizada pela editora.
Como citar: Ribeiro-de- Sousa, Celeste. Gertrud Gross-Hering (1879-1968): vida e obra. São Paulo: Instituto Martius-Staden, 2016.

Dados biobibliográficos

 

Gertrud Gross-Hering era filha dos alemães Friedrich Hermann Hering e Anna Minna Foerster, casados na Alemanha em 1860. O casal teve 9 filhos: Paul, Liddy, Elise, Johanna, Nanny, Margarethe, Max, Gertrud e Kurt. Gertrud nasceu em 1879 ainda em Dresden, mas logo chegou ao Brasil nesse mesmo ano. Com a família, fixou residência em Blumenau. Frequentou a Escola Alemã recém-inaugurada. Teve como professores o Pastor Faulhaber, o professor Wetzel e o professor Krueger. Vivenciou a época da Revolução Federalista (1893-1895), da qual dá breve notícia no texto Nach 75 Jahren (Depois de 75 anos), dizendo:

Wenn einmal ein Fremder auftauchte, zumal in den Revolutionsjahren, dann wurde gleich gefragt: nanu, den kennen wir ja garnicht. Was mag der hier wollen? Doch nicht etwa spionieren?

Was Wunder, wenn die Revolution, die ihre Seitentriebe auch bis Blumenau ausstreckte, fuer uns eine interessante Abwechslung war. Ich habe mir damals jede Neuigkeit aufgeschrieben, wenn ich auch die Zusammenhaenge kaum kannte.

Als zu jener Zeit einmal ein Unbekanntner an unserm Haus vorueberging, rief Schwester Gretchen laut, dass jener es hoeren konnte: “Trudchen, hast Du die Kanonen auf dem Boden geladen?” (Gross-Hering: 20 - Arquivo do Instituto Martius-Staden, pasta Zz 70/w).

 

Se, algum dia, assomava por lá um forasteiro, especialmente nos anos da Revolução, logo questionávamos: Epa! Esse aí não é conhecido. O que será que ele está querendo aqui? Será que ele está espionando?

Não era de admirar, que a Revolução, que se tinha alastrado até Blumenau, fosse para nós um passatempo interessante. Naquele tempo, eu registrava cada novidade, mesmo mal conhecendo as circunstâncias.

Certa vez, quando um desconhecido passou pela nossa casa, minha irmã Gretchen gritou alto para que ele pudesse ouvir: “Trudchen, você colocou os canhões a postos?” (Trad. Celeste Ribeiro de Sousa).

Em 1906, aos 26 anos, casou-se com Richard Gross e teve 4 filhos (Ralph, Eva, Gertrud e Hildegard). Gertrud Gross-Hering, que sempre residiu em Blumenau, vem a falecer nesta cidade em 7 de março de 1968, aos 89 anos.

Assim começa um texto da própria Gertrud Gross-Hering, intitulado “Biographisches” (Dados biográficos), publicado no jornal Deutsche Nachrichten de 28 de dezembro de 1954:

Uma biografia de minha pessoa? O que haveria mais para dizer que pudesse interessar a outros! Que eu já conto 75 verões? Não posso negar ter nascido em 1897 e, por sinal, na bela cidade de Dresden. Quando estava com um ano de idade, fui trazida por meus pais ao Brasil. Não, isso não está correto! Antes dessa viagem, meu pai já havia emigrado há um ano e meio, para procurar uma nova possibilidade de subsistência. Incentivado por um conhecido, tentou sua sorte em Blumenau. Havia pensado em emigrar, quando, depois da guerra franco-alemã e dos anos adversos que se seguiram à Revolução Industrial, a situação econômica da Alemanha se tornou quase insustentável.

Nove meses depois de sua chegada aqui, mandou vir seus dois filhos mais velhos, um menino e uma menina, pois já tinha conseguido um terreno para construir uma casa. Depois de outros nove meses, pediu a seu irmão, seu parceiro até aquele momento, para acompanhar o resto da família para cá.

Convenhamos que, naquela época, uma viagem dessas ainda era um empreendimento ousado, particularmente com cinco crianças, das quais a mais velha tinha doze anos e a mais nova um ano.

À nossa chegada, Blumenau não se mostrou muito receptiva: chovia, chovia continuamente, até que o rio Itajaí transbordou e colocou Blumenau inteira debaixo de água.

Procuramos abrigo na igreja católica juntamente com outros. O sacerdote, padre Jakobs, recebeu-nos amistosamente e providenciou comida e bebida.

À medida que a água abaixava, alguns dos que ali se abrigavam assistiam do alto do morro, arrasados, à inclinação de suas casas e, ao mesmo tempo, delas se despediam.

Também a nossa apresentava uma pequena inclinação e, tão logo se pôde patinhar pela lama, para chegar ao lugar da calamidade, os trabalhos de escoramento foram iniciados. Mas não por gente especializada! Onde achá-la de imediato? E como pedir ajuda ao nosso próximo? Cada um tinha que se virar sozinho.

Enfim, fia-te na Virgem e não corras, verás o tombo que apanhas! E o tio Bruno, ativo que ele só, pegou a pá na mão, enquanto meus irmãos mais velhos misturavam barro com cal e recitavam: “Mil mãos laboriosas movem-se, unidas, ajudam-se alegremente...” [Alusão ao poema “Das Lied der Glocke” (A canção do sino), de Friedrich Schiller. Observação de Celeste Ribeiro de Sousa].

Principalmente o humor! Este nunca faltou na nossa família. Humor, canto, música. Não fossem essas três coisas, por vezes, nossa situação teria sido muito triste...

Assim, por exemplo, o tear (o comecinho da nossa fábrica), que o pai por acaso tinha adquirido em Joinville, tinha ficado submerso e todas as pecinhas, agulhas, etc., tiveram que ser limpas e liberadas da ferrugem. Será que ele ainda funcionava? Será que a fonte de nosso sustento não tinha secado? Graças a Deus! O esforço empregado não tinha sido em vão: depois de alguns vacilos, o tear voltou ao seu trabalho.

E, paulatinamente, foi-se avançando. Mas, é verdade, eu devia falar de mim... Realmente, há pouco a dizer. No máximo, que eu vi pela primeira vez os bancos escolares com dez anos. A Nova Escola Alemã só foi fundada em 1889. Por gente de Blumenau, claro. Os meus irmãos em idade escolar frequentaram a escola do padre Jakobs e, além disso, tiveram ainda aulas à noite.

Meu irmão Kurt, que nasceu um ano depois de nossa chegada, e eu tínhamos orgulho de nos podermos sentar nos bancos da escola. Até então, tínhamos assistido como ouvintes às aulas particulares dos mais velhos, ou a mãe nos ditava alguma coisa para escrevermos na ardósia, ou nos dava contas para fazermos. Bem – em todo o caso, já sabíamos ler, escrever e calcular, quando entramos na escola.

Até os meus dez anos desfrutei de muita liberdade, que eu, armada de papel e lápis, em grande parte aproveitava para pintar ao ar livre, para desenhar tudo o que mais me agradava, ou para moldar figuras na argila, encontrada nas terras pantanosas, que a mãe, condescendente, secava no forno, depois de ter assado o pão.  Bonitas as figuras não eram e, quando a secagem era bem sucedida, pareciam horríveis com rachaduras. Não obstante, quando mais velha, quis ser escultora ou pintora. Para aí iam todas as minhas inclinações. Mas onde poderia eu ter aulas sobre o assunto? Apenas na Europa – na Alemanha. E proporcionar tanto a uma moça, tendo em vista os custos de um curso universitário? Bom, não deu em nada e eu precisei me contentar com as aulas de desenho a giz.

Também gostava de escrever, fazia redações, etc. Depois de dez anos produzi uma pequena peça de teatro. Isso foi bem depois!...

Minha primeira narrativa mais longa ofereci ao meu tio Bruno pelo Natal na forma de manuscrito.  Meu primo Arthur Köhler, dono do jornal “Der Urwaldsbote” (O Mensageiro da Floresta), ao vê-la, insistiu em publicá-la no seu jornal. Eu autorizei com a condição de meu nome não aparecer. Assim foi publicado o texto “Durch Irrtum zur Wahrheit” (Do erro à verdade) (mais tarde também publicado em forma de livro), colocando-se no lugar do meu nome, três estrelinhas.

Na verdade, nessa época, já era casada, portanto, acabada de sair da casa dos pais, mas, ainda assim, demasiado tímida, para me assumir como autora de um romance...

E será que talvez eu ainda deva contar um pouco dos meus pequenos trabalhos, publicados em jornais ou em forma de livro? Não faz muito tempo que o fiz, quando escrevi a várias livrarias, oferecendo o meu livro recém-terminado “Der Weg der Frau Agnes Bach” (O caminho da sra. Agnes Bach). Por isso, ainda tenho tudo na memória: „Durch Irrtum zur Wahrheit“ (Do erro à verdade), „Frauenschicksale“ (vier Erzählungen) (Destino de mulheres – quatro contos), „Aus Kinder werden Leute“ (Crianças tornam-se gente). Todos os três em formato de livro. Outros textos em jornais: „Vereinte Kräfte“ (Forças unidas), também publicado na Alemanha; „Der Sonnenhof“ (A fazenda do Sol), no „Deutsche Zeitung“ de São Paulo; „Neue Wege“ (Novos caminhos), no „Brasil-Post“; Novellen, Skizzen etc. (novelas, esboços, etc.): „Peter Hartmanns Erbschaft“ (A herança de Peter Hartmann), „Grossvater Bätzold wandert aus“ (Vovô Bätzold emigra), „Ferienreise“ (Viagem de férias), „Das vornehmste Gebot“ (O mandamento mais nobre), „Das ungeschriebene Gesetz“ (A lei não escrita), „Das Stärkere“ (O mais forte), „Die drei Brüder – Märchen” (Os três irmãos – conto de fadas), etc.

Um grande romance deverá ser impresso no ano que vem. (Trad. Celeste Ribeiro de Sousa. Gross-Hering 1954).

Há algumas discrepâncias nos títulos dados, provavelmente por problemas de memória. Veja-se, por exemplo, “Peter Grotmanns Erbschaft” (A herança de Peter Grotmann) e “Die zwei Brüder” (Os dois irmãos).

Gertrud Walli Tony Hering, depois de casada conhecida como Gertrud Gross-Hering (Gross Hering, Groß Hering ou Groß-Hering), é, como se pode ler acima, ainda identificada pelo pseudônimo oculto de três estrelinhas > * * *.  

Conforme Lia Carmen Puff, que estudou a obra da autora em A produção literária de Gertrud Gross-Hering,

seu pai veio ao Brasil em 1879. Era tecelão e procedia do regime das corporações de ofício, numa época em que a Alemanha se industrializava, reproduzindo o ritmo inglês das modernizações. Tais inovações afetaram drasticamente o modo de vida das corporações de ofício, provocando o desemprego e a falta de perspectivas de futuro, e desencadearam o êxodo de alemães a outros países. Hermann Hering buscava no Brasil novas possibilidades de trabalho. A esposa, filhas e filhos, e o irmão, Bruno Hering, vieram em barco um ano mais tarde.

Chegaram na colônia de Blumenau no ano de 1880 e, em seguida, Hermann e Bruno Hering fundaram, com escasso capital, uma fábrica têxtil improvisada, que funcionava a princípio com força hidráulica e que paulatinamente se estendeu até se transformar na poderosa indústria Hering, sendo a partir de 1915 a maior indústria têxtil da América Latina.

A família cultivava o gosto pela literatura e recebia constantemente da Alemanha livros, revistas e jornais. Uma das pessoas que mais influência exerceu na vida de Gertrud G. Hering foi seu tio Bruno, amante da literatura, que recitava de memória o Fausto de Goethe e promovia frequentemente reuniões literárias. [...] Além da presença do tio, Gertrud também conviveu, em seu período escolar, com o biólogo e naturalista Fritz Müller, conhecido no âmbito acadêmico por seus estudos realizados para o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e também por seu livro Em prol de Darwin e pelas correspondências que mantinha com Charles Darwin. (Puff 2000:11-12).

 

Consta que o tio Bruno Hering chegou a criar uma biblioteca na indústria têxtil da família. Também se tem notícia, como visto acima, de que a família se relacionava com o biólogo Fritz Müller. Se Gertrud Gross-Hering (1879-1968), conviveu com Fritz Müller (1821-1897), é muito provável que também tenha conhecido Anna Brockes (1852-1940), segunda filha de Müller, igualmente escritora, cuja obra se encontra igualmente on line nesta coleção - Anna Brockes (1852-1940): vida e obra.

Lia Carmen Puff cita uma passagem do livro de Maria Luiza Renaux, O papel da mulher no Vale do Itajaí, 1850-1950, em que um retrato de Gertrud Hering, ainda menina, é assim delineado:

A filha mais nova do casal Hering, Gertrud, teve uma infância e uma juventude diferente das de suas irmãs. E, comparando suas obrigações com as delas, vê-se que aquelas ainda foram fortemente criadas dentro dos deveres do estrato artesão enquanto Gertrud respirava o ar da burguesia economicamente bem sucedida. Não precisou trabalhar na fábrica, apenas acompanhar a mãe nos serviços domésticos. As manhãs ela passava na cozinha, mas as tardes eram compensadas por horas livres que aproveitava de maneira bem particular: penetrando na floresta que contornava a propriedade paterna, Gertrud reproduzia em seu caderno de desenho as flores e plantas exóticas que causavam tanta admiração aos europeus. Entre os 10, 12 anos de idade – só ingressara na escola aos 10, pois fora alfabetizada em casa, pelos irmãos – começou a escrever poesias, pequenos contos e peças de teatro, encenadas depois pela família. (Renaux 1995: 162, apud Puff 2000: 12).

Mais tarde, Gross-Hering haveria de escrever na fazenda que a família possuía em São Bento (interior de Santa Catarina).

Além disso, Gertrud Gross-Hering também tinha grande proximidade com o teatro; em sua casa havia mesmo um palco para encenações. No texto memorialístico Nach 75 Jahren, p.14-15, acima citado, Gertrud Gross-Hering chega a nomear as peças que escrevia e encenava com os irmãos e, eventualmente, amigos.

Lia Carmen Puff, na apresentação da biografia de Gertrud Gross-Hering, informa que a escritora era amiga de Edith Gaertner, que era filha de Roese Gaertner, a fundadora do teatro Frohsinn em 1860. A este respeito, é interessante a anotação de Giralda Seyferth. Diz ela:

Não deixa de ser surpreendente a criação de um teatro num lugarejo pouco maior que uma aldeia camponesa (a sede da colônia), e cuja população urbana só ultrapassou os 20 mil habitantes já na década de 1920. Como assinalou Kormann (1994, p. 31), o teatro e a associação dos atiradores iniciaram suas atividades quando havia na colônia apenas 749 habitantes. A história local atribui a uma mulher, Roese Gaertner, nascida na Alemanha em 1842, e casada na colônia com Victor Gaertner, sobrinho de Hermann Blumenau, a consolidação e o financiamento do teatro, com apoio de algumas famílias que se destacaram em atividades comerciais e industriais. No entanto, as atividades culturais eram bastante expressivas nas associações, dando-se certa ênfase às Gesangvereine, dedicadas às atividades musicais e literárias. De um modo geral, em todas as regiões coloniais, até mesmo aquelas associações cujas denominações apontam para práticas esportivas e recreativas (Turnverein e Schützenverein) costumavam transformar seus salões em teatros, e congregavam grupos de músicos e cantores amadores. (SEYFERTH 2004. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832004000200007<.

Ou seja, Gertrud cresceu num ambiente cercado de atividades artísticas: teatro, música, literatura, pintura, imprensa.

Tais informações também se encontram registradas no texto Nach 75 Jahre, de autoria da própria Gertrud. Por exemplo, no trecho abaixo, diz ela sobre a música:

Bruder Kurt war musikalisch veranlagt und lernte leicht das Geigenspielen, wie auch spaeter aus sich selbst heraus Klavierspielen.

Bruder Max hingegen und Schwester Gretchen kann man als unmusikalisch bezeichen. Ganz besonders die Letztere. Bruder Paul hatte eine schoene Tenorstimme, und da Vater und Onkel Bruno ersten und zweites Bass (d. h. umgekehrt) sangen, - und zwar konnten sie unbekannte Lieder direkt vom Blatt singen, - so kann man sich denken, dass der Gesang bei uns zu Hause war, zumal Schwester Nanny einen sicheren, kraeftigen Alt und Schwester Lieschen eine huebsche Sopranstimme hatte. Auch Mutter sang gern, ebenso wie Schwester Hanna. – Mutter hatte frueher Guitarrespielen gelernt, und ich erinnere mich noch ihres Spielens und Singens. (Gross-Hering: 12 - Arquivo do Instituto Martius-Staden, pasta Zz 70/w).

 

Meu irmão Kurt tinha muito talento para a música e aprendeu com facilidade a tocar violino e, mais tarde, também piano por sua própria conta.

Em oposição, tanto meu irmão Max como minha irmã Gretchen eram completamente desprovidos de dons musicais, muito particularmente esta última. Já meu irmão Paul tinha uma bela voz de tenor e, uma vez que papai e tio Bruno cantavam em timbre baixo profundo e baixo (quero dizer: ao contrário) – e conseguiam ler melodias desconhecidas diretamente do papel, então, pode-se dizer que o canto era-nos familiar, tanto mais que minha irmã Nanny era uma inconteste e potente contralto e minha irmã Lieschen tinha uma bela voz de soprano. Minha mãe também gostava de cantar, assim como minha irmã Hanna. – Mamãe havia aprendido violão e ainda me lembro de ouvi-la tocar e cantar. (Trad. Celeste Ribeiro de Sousa).

E, voltando a citar Puff, sabe-se que Gertrud Gross-Hering

viajou quatro vezes à Alemanha: 1901, 1929, 1936, 1952. Viagens que certamente enriqueceram tanto suas experiências de vida como seus conhecimentos sobre as condições políticas e sociais da Alemanha: proporcionaram à escritora a ampliação de seu universo sensorial, literário, musical, pictórico, etc. Suas obras estão impregnadas de uma mistura de vários componentes artísticos e históricos.

Em 1906 contraiu matrimônio com Richard Gross, o qual trabalhou desde então na fábrica da família. Richard Gross também participava como membro do Clube Musical de Blumenau, atuando como músico e utilizando a viola como instrumento. Faleceu a 17 de junho de 1931. [...] A editora G. A. Koehler, também conhecida por Livraria Blumenauense S.A., foi responsável pela publicação de grande parte das obras da escritora. Esta editora, assim como o jornal Der Urwaldsbote, pertenciam ao primo da escritora, G. Arthur Koehler, o qual era filho de uma das irmãs de Hermann Hering.

Entre 1937 e 1954, com a proibição do uso do idioma alemão no Brasil, Gertrud Gross-Hering, assim como outros escritores em condições idênticas, parou de publicar.

Consta de uma entrevista concedida pela escritora a Custódio Campos e por ele registrada em 1958 o seguinte:

“Não tenho muito a narrar: minha vida correu sem acontecimentos extraordinários, numa trajetória já quase preestabelecida. O único acontecimento que se poderia taxar de extraordinário ficou quase sem traços na minha memória. Fui mais objeto do que sujeito naquele drama. Falo da imigração de minha mãe em conjunto com meus irmãos mais velhos sob a proteção de nosso bom tio”. (Campos apud Puff 2000: 15).

 

Ainda segundo Puff,

Gertrud resistiu à política de nacionalização e suas consequentes pressões, prevalecendo em sua obra os traços linguísticos de sua formação essencialmente alemã, reforçada por décadas de isolamento. Suas obras revelam uma das faces das múltiplas influências que compõem a formação cultural brasileira; elas contestam o hábito de falar em cultura brasileira no singular, como se existisse uma uniformidade ou uma unidade que aglutinasse todas as manifestações materiais e espirituais do nosso povo. (Puff 2000: 21).

 

Gertrud Gross-Hering cultivou valores antigos, valores cultivados em sua casa. Por exemplo, sua mãe, talvez para ela um modelo, também escrevia histórias e compunha pequenos poemas. Seu pai infundia respeito; ninguém se atrevia a contradizê-lo. O trabalho, a sobriedade, a dedicação e a ordem tanto no mundo exterior quanto nos pensamentos eram um ideal perseguido. Na sala de jantar, a mãe mandara emoldurar e pendurar na parede um verso de F. Schiller retirado da “Lied von der Glocke” (A canção do sino): “Arbeit ist des Buergers Zierde, Segen ist der Muehe Preis” (O trabalho é o adorno do cidadão, a benção é o prêmio do empenho). Tais valores podem ser observados no citado texto memorialístico Nach 75 Jahren:

Die Abende um unsern runden Familientisch liebte ich. Die grosse Haengelampe darueber spendete genuegend Licht fuer alle, die um ihn versammelt waren, und waehrend Vater oder Onkel Bruno vorlasen, handarbeiteten die Schwestern; Mutter stopfte Struempfe, und wir Kinder durften ein Weilchen auch zuhoeren. So wurden wir gleich daran gewoehnt still zu sitzen, das Vorgelesene in uns aufzunehmen und darueber nachzudenken. Unser Interesse wurde damit wachgerufen, und wir ahnten nicht, dass das gleichzeitig ein kluger Schachzug unserer Eltern war, uns zum Stillsitzen zu bringen, damit sie selbst auch Ruhe hatten. Ich danke es ihnen heute noch, so klug an uns gehandelt zu haben. So kann ich, ohne Unruhe zu verspueren, noch heute einem Vortrag, langes Vorlesen, und einem interessanten Gespraech still lauschen, und aergere mich, wenn andere sich nicht bezaehmen koennen, dazwischen fluestern und sich raeuspern. Mann kann das alles vermeiden: hoechstens das Niessen nicht. (Gross-Hering: 8 - Arquivo do Instituto Martius-Staden, pasta Zz 70/w).

 

Eu adorava as noites em família ao redor da mesa redonda. A luminária grande pendurada sobre a mesa fornecia luz suficiente para todos os que ali se encontravam reunidos e, enquanto papai ou o tio Bruno lia em voz alta, minhas irmãs entretinham-se com trabalhos manuais, mamãe remendava meias, e nós, crianças, éramos também autorizadas a ficar ali por algum tempo. Assim, éramos logo acostumadas a ficar sentadas quietas, a incorporar a leitura que ouvíamos e a refletir sobre ela. Desta forma, nossa atenção era exercitada, sem sequer suspeitarmos de que fazer-nos permanecer quietas era, ao mesmo tempo, uma hábil jogada de nossos pais, para que eles igualmente tivessem um pouco de sossego. Até hoje, lhes sou grata pelo fato de nos terem educado com tanta sabedoria. Por isso, ainda hoje, acompanho sem impaciência uma palestra, uma leitura prolongada, uma conversa interessante. Mas irrito-me, quando outros não conseguem dominar-se, ficam cochichando ou pigarreando. Tudo pode ser evitado, menos o espirro.  Trad. Celeste Ribeiro de Sousa.

Igualmente, na narrativa Ein guter Kern pode-se observar como ali se refletem esses valores e sua abrangência social, bem como suas raízes. E as leituras realizadas pelo pai ou pelo tio Bruno à mesa podiam focar religião, história universal ou mitologia.

Depois de sua morte, em novembro de 2010, foi fundado em Blumenau o Arquivo Histórico da Companhia Hering. Compõe-se este Arquivo de 2 fundos: o da família e o da companhia. No fundo da família, há documentos referentes à vida e à obra de Gertrud Gross-Hering.

Museu Hering – Blumenau. Foto encontrada na internet

Entre as obras que Gertrud Gross-Hering deixou, há narrativas, poemas, peças de teatro, ensaios e outros escritos, como segue.

 

Narrativas:

Durch Irrtum zur Wahrheit (Do erro à verdade). Romance. In: Der Urwaldsbote. Blumenau, 1913. Também como livro: Durch Irrtum zur Wahrheit. Blumenau, Tipografia e Livraria Blumenauense (Buchdruckerei G. Arthur Koehler), 1922. Deutsch 

Neue Heimat (Nova pátria). Conto. In: Deutsche Welt (Jornal alemão), 1929.

Aus Kindern werden Leute (Crianças tornam-se gente). Romance. In: Der Urwaldsbote. Blumenau, 1930-1931. Também como livro: Aus Kindern werden Leute. Blumenau, Tipografia e Livraria Blumenauense (Buchdruckerei G. Arthur Koehler), 1934. Deutsch 

Vereinte Kräfte (forças unidas). Romance. In: Der Urwaldsbote. Blumenau, 1933. Também in: Deutsche Welt (Jornal alemão), 1937.

Das ungeschriebene Gesetz (A lei não escrita). In: Der Urwaldsbote. Blumenau, 15.12.1934.

Grossvater Bätzold wandert aus (Vovô Bätzold emigra). Conto. In: Brasil-Post. São Paulo, 1936. Também In: Brasil-Post. São Paulo,  04.05.66 - 14.05.1966, p.8.

Ein guter Kern (De boa cepa). In: Kalender für die Deutschen in Brasilien (Rotermund Kalender), São Leopoldo, Rotermund, 1938, p. 97-108. Deutsch  Português

Der Ruf über´s Wasser (O chamado d´além-mar). Romance. 1940, 357 p. Texto datilografado existente no Arquivo Martius-Staden na pasta KXXIV Nr.20. Deutsch

Der Sonnenhof (A fazenda do sol). Romance/folhetim. In: Deutsche Nachrichten. São Paulo, 14.09.1950. Também in: São Paulo Zeitung. São Paulo, 1951. Também como livro: Der Sonnenhof. Blumenau, Tipografia e Livraria Blumenauense (Buchdruckerei G. Arthur Koehler), 1967. Deutsch

Neue Wege. Ein Einwanderer-Roman (Novos caminhos. Um romance de imigrantes). Romance. In: Brasil-Post. São Paulo, 22.02.1952-27.07.1953. Também como livro: Neue Wege. Blumenau, Tipografia e Livraria Blumenauense (Buchdruckerei G. Arthur Koehler), 1964. Deutsch 

Der Weg der Frau Agnes Bach (O caminho da senhora Bach). Romance. Curitiba, Impressora Paranaense (I P), 1954.

Weihnachtsklänge (Melodias de Natal). In: Deutsche Nachrichten. São Paulo, 25 e 26. 12. 1954, p. 9. Deutsch 

Die zwei Brüder (Os dois irmãos). In: Boletim do Instituto Cultural Brasil-Alemanha. Florianópolis 1 (1): 12-15, 1958. Também in: Brasil-Post. São Paulo, 03.01.1959, p. 5 e seguintes. Também com o título Die beiden Brüder. Märchen (Ambos os irmãos. Conto de fadas). In: Deutsch-Brasilianischer Volks-Kalender. Florianópolis, 1963, p. 117-120. Texto traduzido por Custódio F. de Campos in: Boletim Cultural Brasil/Alemanha. Florianópolis, 1 (1), 1958. Tradução republicada por Lia Carmen PUFF in: O processo de tradução do conto “Uma enteada da natureza” de Gertrud Gross Hering. Florianópolis, UFSC, 2000, p. 114-117. Disponível em:
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/76184/101640.pdf?sequence=1&isAllowed=y
Deutsch Português

Und dann kam die Lösung (Então veio a solução). Romance. Blumenau, Tipografia e Livraria Blumenauense, 1956.

Ruck. Gratwanderer - (Ruck. Andarilho das alturas). Blumenau, Tipografia e Livraria Blumenauense, 1957.

.... wenn der Wind darüber geht... Roman einer Blumenauer Familie (... quando o vento sopra por lá. Romance de uma família de Blumenau). Blumenau, Tipografia e Livraria Blumenauense, 1957.

Die Stimme des Blutes. Ein Roman aus zwei Welten (A voz do sangue. Um romance de dois mundos). In: Brasil-Post. São Paulo, 07.11.1959 – 30.04.1960 (p. 15) – 30.04.1960 (p.15). Deutsch

Wandlungen (Metamorfoses). Romance. In: Brasil-Post. São Paulo, 29.04.1961, p. 15 e seguintes. Deutsch

Eine Mahnung (Uma advertência). Romance. In: Brasil-Post. São Paulo, 18.11.1961, p. 16 e seguintes.

Segen ist der Muehe Preis – Lebensbild aus einer Neusiedlung (A benção é o preço do esforço – Retrato de um novo assentamento). In: Brasil-Post. São Paulo, 15.06.1963 -04.04.1964, p.8.

Verschlungene Wege (Caminhos entrelaçados). In: Brasil-Post. São Paulo, 24.09.1966, p. 8. Deutsch

Elise Lingen (Elise Lingen). Conto. In: Frauenschicksale (Destino de mulheres). Coletânea de 4 contos. Blumenau, Buchdruckerei G. Arthur Koehler, [s/d], p. 3-81. Deutsch Português

Ein Stiefkind der Natur (Uma enteada da natureza). Conto. In: Frauenschicksale (Destino de mulheres). Coletânea de 4 contos. Blumenau, Buchdruckerei G. Arthur Koehler, [s/d], p. 83-108. Deutsch Texto traduzido por Lia Carmen PUFF. In. PUFF, Lia Carmen. O processo de tradução do conto “Uma enteada da natureza” de Gertrud Gross Hering. Florianópolis, UFSC, 2000, p. 51-90. Português - Disponível em:
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/76184/101640.pdf?sequence=1&isAllowed=y, p. 51-90.

Mutter Wantken (Mãe Wantken). In: Frauenschicksale (Destino de mulheres). Coletânea de 4 contos. Blumenau, Buchdruckerei G. Arthur Koehler, [s/d], p. 109-117. Deutsch Português

Das Krönlein (A coroazinha). In: Frauenschicksale (Destino de mulheres). Coletânea de 4 contos. Blumenau, Buchdruckerei G. Arthur Koehler, [s/d], p. 119-130. Deutsch Português

 

Poemas:

Lebenssonne (Sol da vida). Deutsche Nachrichten. São Paulo, 25 e 26. 12. 1954, p. 9. Deutsch Português

Wenn dich das Schicksal hat gestellt. Poema manuscrito inédito. Arquivo Histórico da Companhia Hering em Blumenau. 23.5.1964. Deutsch Português

Hast Du erreicht die lichten Hoeh´n... (Alcançadas as alturas luminosas...). In: Brasil-Post. São Paulo, 07.11.1964. Deutsch Português

Zum 25. Juli, Tag der Einwanderung (Ao 25 de julho, dia da imigração). In: Deutsch-Brasilianischer Volks-Kalender. São Paulo, 1965, p. 270. (Surgido em um programa dos festejos de 24 de julho de 1955. Arquivo Histórico da Companhia Hering em Blumenau). Deutsch Português

 

Teatro:

Der Dorfapostel (O apóstolo da aldeia), levada ao palco em 1922.

Die Verbannung des Märchens (O ostracismo do conto de fadas), peça infanto-juvenil em dois atos, encenada em 1936. Peça manuscrita no Arquivo Histórico da Companhia Hering em Blumenau.

Dr. Blumenau. Peça encenada em 1962. In: Brasil-Post. São Paulo, 18.08.1962.

Familie Krause aus Berlin im brasilianischen Urwald. Peça levada ao palco do teatro Carlos Gomes, em Blumenau, em 24 de julho de 1955.

 

Ensaios e outros escritos:

An die deutschbrasilianische Jugend. In: Blumenauer Lokalausschuss Unser ist heute der Tag! Blumenau, Arthur Koeler, 1937.

Erinnerungen an alle originelle Einwohner von Alt-Blumenau (Recordações de todos os primeiros habitantes da velha Blumenau). In: Der Urwaldsbote. Blumenau, 1938,

Nach 75 Jahren. Beitrag zur Geschichte der Familie Hering. Zusammengestellt von Gertrud Gross-Hering (Após 75 anos. Contribuição à história da família Hering. Coletado por Gertrud Gross-Hering. Coletado por Gertrud Gross-Hering). Arquivo do Instituto Martius-Staden, pasta Zz 70/w.

Krischan. In: Blumenau em Cadernos. Blumenau, abril de 1960, vol, III, p. 69-70. Deutsch 

O “Schirmonkel” (O “tio guarda chuva”). In: Blumenau em Cadernos. Blumenau, maio de 1960, vol, III, p. 85.  Deutsch 

Um retrospecto. In: Blumenau em Cadernos. Blumenau, maio de 1960, vol, III, p. 172-174.

O padre José Maria Jacobs. In: Blumenau em Cadernos. Blumenau, outubro de 1960, vol, III, p. 189-191. Deutsch

O Vale do “Velha”, outrora e hoje. In: Blumenau em Cadernos. Blumenau, dezembro de 1960, vol, II, p. 222.

Algo sobre Fritz Müller. In: Blumenau em Cadernos. Blumenau, abril de 1961, vol, IV, p. 61-63. Deutsch

Dona Röse Gärtner. In: Blumenau em Cadernos. Blumenau, julho de 1961, vol, IV, p. 127. Deutsch

Aus der Chronik der Familie Hering. Blumenau. In: Brasil-Post. São Paulo, 24.08.1963. Deutsch 

Recordação da antiga Blumenau. In: Blumenau em Cadernos. Blumenau, julho de 1965, vol, VII, p. 92-98.

Unsere Buger, die Botokuden. Ruckerinnerungen von Gertrud Gross-Hering (Nossos bugres, os botocudos. Reminiscências de Gertrud Gross-Hering). In: Brasil-Post. São Paulo, 10.02.1968 – 17.02. 1968, p. 8. Deutsch Português

 

Coletânea:

Frauenschicksale (Destino de mulheres). Coletânea de 4 contos: Elise Lingen (Elise Lingen); Ein Stiefkind der Natur (Uma enteada da natureza); Mutter Wantken (Mãe Wantken); Das Krönlein (A coroazinha). Blumenau, Buchdruckerei G. Arthur Koehler, [s/d].

 

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