RELLIBRA

LIBEA - Literatura Brasileira de Expressão Alemã
PROJETO DE PESQUISA COLETIVA (USP/Instituto Martius-Staden)
Grupo de pesquisa RELLIBRA – Relações linguísticas e literárias Brasil-Países de língua alemã
Coordenação geral: Celeste Ribeiro-de-Sousa
Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã - USP

 

JULIA ENGELL-GÜNTHER (1819-1910): VIDA E OBRA

Autoria: Elke Dislich, 2009.
Direitos autorais: em domínio público.
Como citar: Dislich, Elke. Julia Engell-Günther (1819-1910): vida e obra. São Paulo: Instituto Martius-Staden, 2009.

Dados biobibliográficos

A trajetória de vida de Julia ou Julie Engell-Günther apresenta-se em um contexto de múltiplos processos migratórios/exílios, dos quais é protagonista e que nela deixam marcas indeléveis.

Sabemos que nasceu Julia Engell, na cidade de Sülze/Mecklenburgo, Alemanha, em 1819, e que cedo perdeu o pai, o qual deixou sua mãe e oito filhos em estado de relativa penúria. Em 1845, aos 26 anos, escreveu uma carta franca e direta a Bettina von Arnim (1785-1859), - escritora e notável representante do romantismo alemão -, à época residente em Berlim, na qual pedia que esta conseguisse, para ela e sua irmã mais nova, Louise, emprego como preceptora e professora, bem como moradia, nas proximidades de Berlim. O pedido foi atendido. Em Berlim tomou aulas de línguas estrangeiras e, através de estudos por conta própria e de muita leitura, adquiriu um largo espectro de conhecimentos. Numa retrospectiva sobre esse período de sua vida, ela registrou que

muito cedo conheceu príncipes e condes de muito perto e que, com isso, perdeu todo o respeito por eles, ou que, talvez, nunca tivesse nutrido qualquer tipo de admiração pela nobreza. Sempre esteve envolvida nos movimentos políticos e conheceu pessoalmente a maior parte de seus expoentes.[1]

No outono de 1848, reuniu-se em Berlim um grupo de professores, pesquisadores, naturalistas, artistas plásticos e músicos, que desiludidos dos rumos que tomava a política na Alemanha, decidiram-se pela emigração. Para esse fim, fundaram uma sociedade e chegaram à conclusão de que o sul da Austrália seria um destino desejável. O geólogo berlinense Leopold von Buch (1774-1853), considerado o representante mais ilustre da sua especialidade no século XIX, contribuiu financeiramente para o equipamento do navio que levaria os emigrantes ao seu destino. Em março de 1849 o “Princess Louise” deixou o porto de Hamburgo em direção ao Rio de Janeiro, primeira escala da sua viagem para a Austrália, com 162 passageiros a bordo. Fazia parte desse grupo, que ficou conhecido na história da Austrália como os “Forty-Eighters”, e que deixou muitas impressões na vida cultural australiana, a poliglota Julia (Julie) Engell, que definia a si mesma como sendo uma liberal. Anos mais tarde, em um carta a Fanny Lewald (1811-1889), - uma das mais importantes escritoras do movimento pela emancipação feminina e que foi chamada de “George Sand” alemã -, ela escreveu: “deixei a Europa, sem consultar vivalma, sem que alguém soubesse, por decisão própria.”[2] Ao menos duas de suas irmãs também deixaram Berlim após 1848 e se estabeleceram na Suíça. Louise, mais tarde, acompanhou seu marido, Wilhelm Löwe, o último presidente do Conselho Revolucionário de 48, para o exílio nos Estados Unidos. Albertine casou-se na Suíça com um exilado, o deputado esquerdista Conrad von Rappard, proprietário de terras na Prússia.

Quando o “Princess Louise” ancorou no porto do Rio de Janeiro, no dia 27 de maio de 1849, para ser reabastecido, Julia Engell abandona seus companheiros de viagem. Por recomendação do médico alemão Dr. Robert Avé-Lallemant, estabelecido no Rio de Janeiro a serviço do Governo Imperial, ela conseguiu um emprego de professora num Colégio de Meninas. No início de 1850, acompanhou, na condição de “amásia”, o engenheiro civil Hermann Günther, natural da Westfália, encarregado pela Sociedade Colonizadora Hamburguesa de 1849 de reconhecer e preparar o terreno para uma colônia alemã no Sul do Brasil. Dessa forma, ela se tornou a pioneira da Colônia Dona Francisca, mais tarde, cidade de Joinville. Nas crônicas históricas regionais/locais ela é descrita como uma figura fascinante, uma mulher emancipada, que deixara para trás os conceitos de moral predominantes na época. Muitos historiadores e cronistas atuais alimentam essa imagem, tomando como base os relatos de um dos primeiros visitantes da nova colônia em 1852, o capitão e engenheiro-geógrafo reformado do Exército da Prússia, Cavaleiro da Ordem de Leopoldo, proprietário de terras no Brasil e membro da Sociedade Hamburguesa de Colonização de 1849, Theodor Rodowicz-Oswiecimsky, que, sem tê-la conhecido pessoalmente, caracterizou Julia Engell como “uma heroína de barricadas em trajes masculinos”. Decorrido um ano de trabalho na colônia a ser instalada, o engenheiro Günther foi demitido sob alegação de incompetência. Seus relatórios, enviados à Sociedade Colonizadora em Hamburgo e os belos desenhos da colônia em fase de implantação, produzidos por Julia Engell e publicados em revistas alemãs com o intuito de atrair possíveis interessados para esse projeto de colonização, não corresponderiam à realidade verificada pelo filho do fundador da Sociedade durante uma visita de inspeção.

Após dez anos de permanência no Brasil e, depois de várias iniciativas profissionais fracassadas de seu marido, apesar de ter ela fundado, para ajudá-lo financeiramente, um próspero colégio e internato para crianças em Limeira, São Paulo, Julia Engell, acompanhada de seu marido e seu filho Arthur, decide voltar a Berlim em 1859, passando pela Inglaterra, França e Suíça. Já em Berlim, dedicou-se a escrever sobre essas experiências: “Sozinha – neste mundo; mesmo após uma longa viagem no mar e no Brasil. – E, mesmo assim, o que há de grandioso nisso? – Não temos mais nada a temer, quando nada daquilo, que angustia, comove e atormenta outras pessoas, nos parece mais tão infinitamente valioso. – Tudo depende da boa vontade de se ver as coisas com olhos claros, iluminados! – Certamente, sempre tive a melhor boa vontade; no Brasil, no entanto, nos últimos tempos, já não mais queria tê-la. Foi uma batalha árdua demais!”

Julia Engell-Günther e seu marido Hermann, estabelecem-se, então, com um, de início, bem sucedido estúdio fotográfico em Berlim. Hermann Günther tornou-se “Fotógrafo da Corte de Sua Majestade o Rei e Sua Alteza Real o Príncipe Frederico Carlos”. Por volta de 1870, em decorrência dos distúrbios políticos que mais uma vez sacudiram a Alemanha, o negócio foi à falência. No início dos anos 80, a vida de Julia Engell-Günther sofreu mais uma reviravolta radical. Morreu seu filho mais velho Arthur (1859-1881) na Inglaterra, onde morava para terminar os estudos. Seu marido Hermann obrigou-a a aceitar o divórcio, pois pretendia casar-se com uma mulher 40 anos mais jovem, como a autora relatou em carta, datada de 18 de fevereiro de 1883, dirigida a Karl Kautsky, o editor do semanário socialista “Die Neue Zeit”, para a qual Julia Engell-Günther começara a escrever. Nessa época ela mantinha, a fim de garantir o sustento para si e seu filho mais moço Reinhold (1863-1910), uma pequena produção e venda de produtos químicos para manutenção de armas, apetrechos de cavalaria e outros, de uso do exército estacionado em Berlim. Esse negócio não lhe trazia a renda necessária, uma vez que ela sofria a concorrência direta de seu ex-marido que, de acordo com as leis vigentes na época, após a separação, ficara com o negócio do mesmo ramo que ambos tinham montado, sendo obrigado somente a pagar uma pensão mínima à ex-esposa, insuficiente para sua sobrevivência. Sua situação financeira tornou-se, então, desesperadora, apesar da intensa atividade como jornalista e escritora.

No ano de 1883, aos 64 anos de idade, Julia Engell-Günther deixou a Alemanha do, por ela, tão odiado Bismarck definitivamente e tentou um novo início como professora de um colégio internacional para meninos em Zurique na Suíça. Até a sua morte escreveu para inúmeros jornais e revistas na Alemanha, Áustria, Suíça e Estados Unidos. No seio dos movimentos femininos burgueses nos países de fala alemã, principalmente na Suíça e na Áustria, ela foi querida e respeitada como uma muito viajada lutadora, engajada e incansável defensora dos direitos das mulheres. Toda sua vida foi determinada pela inabalável convicção: Somente o trabalho autônomo das mulheres (independente da sua condição de solteira, casada ou mãe) e o direito de dispor, ela própria, de seus bens e de seus proventos, podem constituir uma base sólida para a sua liberdade e sua dignidade.

Entre os textos que escreveu entre 1860 e 1902 encontramos vários que mostram uma imagem do Brasil, muito própria de Julia Engell-Günther. Sobre seu romance não publicado Unterm Wendekreis des Steinbocks (Sob o Trópico de Capricórnio), ela escreveu numa carta a Karl Kautsky, datada de 11.2.1883,

ninguém é capaz de descrever o Brasil da forma que eu aprendi a fazê-lo após dez anos de permanência nesse país, pois tenho certeza de que todos aqueles turistas e comerciantes que por lá passaram, não o conheceram como eu o conheci, que tive que ganhar o meu pão naquelas paragens. Além disso, eu o vi com o coração, não me deixei iludir e enganar por adulações, como costuma acontecer com tantos homens sabidos.[3]

Em 1910, Julia Engell-Günther morre na cidade de Basiléia na Suíça, poucos meses após o falecimento do seu filho Reinhold.

Da vasta obra deixada por Julia Engell-Günther, conseguimos localizar os seguintes escritos:

 

Narrativas

Weihnachtsabende in Brasilien. Deutsch-brasilianisches Leben und Treiben. Für die reifere deutsche Jugend (Noites de Natal no Brasil. Impressões do cotidiano e dos costumes germano-brasileiros. Para a mocidade alemã). Berlim, Verlag von Julius Springer, 1862. Deutsch  Português

Brasilianische Kinder (Crianças Brasileiras). In: Westermanns Illustrierte Deutsche Monatshefte. LXII 374, agosto de 1887.

Ein heiliger Abend (Uma Noite de Natal). In: Sonntagsblatt des „Bund“ Nr. 51 und Nr. 52. (Schweizerische Landesbibliothek), Bern, 18 e 25 de dezembro de 1887, p. 401-407 e 409-411.

Ein Kolonistenmädchen. Novelle aus Brasilien. (Filha de colonos. Novela brasileira). In: Helvetia Illustrierte Monatsschrift zur Unterhaltung und Belehrung des Vokes. Basel, Verlag Robert Weber, 1897, p. 490-544.

Aus dem Sklavenleben Brasiliens (Vida de escravo no Brasil). In: Helvetia Illustrierte Monatsschrift zur Unterhaltung und Belehrung des Volkes. Basel, Verlag Robert Weber, 1901, p. 252-261. Deutsch  Português

 

Noch einmal: Die Kreuzer-Sonate (Mais uma vez: A Sonata Kreuzer), com o pseudônimo de Luminica, Freifrau von X., Zürich, Verlags-Magazin (J. Schabelitz), 1895 e 1896.

 

Livro

Schweizersagen (Lendas Suíças). Grüningen,Verlag von J. Wirz, 1895.

 

Poema

Faustiana. Splitter aus Goethe’s Faust (Faustiana. Fragmentos do Fausto de Goethe). Bamberg, Verlag und Druck der Handels-Druckerei Bamberg, 1901.

 

Crônicas

Aus Brasilien (Notícias do Brasil). In: Die Neue Zeit, Revue des geistigen und öffentlichen Lebens. Stuttgart, Johann Heinrich Wilhelm Dietz edit., 1º janeiro de 1883, p. 294-295.

Das jetzige Brasilien (O Brasil atual). In: Jahrbuch der Mittelschweizerischen Geographisch-Comerciellen Gesellschaft. Baden (Aargau), 1889, vol. IV, p. 52-80.

 

Cartas

18 Briefe an Karl Kautsky (18 cartas a Karl Kautsky). In: Karl Kautsky Papers, Amsterdam, International Institute on Social History, Arquivo D X 222-239, 1883-1887.

 

Outro

Der 1. Entwurf eines neuen Bürgerlichen Gesetzbuchs von 1888 und seine Wirkung in der bürgerlichen Frauenbewegung. Kapitel 21, 1889: Dr. Löwenfeld und Julie Engell-Günther (Primeira minuta para um novo Código Civil de 1888 e sua repercussão no Movimento Feminino Burguês. Capítulo 21, 1889: Dr. Löwenfeld e Julie Engell-Günther). In: Riedel, Tanja-Carina: Gleiches Recht für Frau und Mann, die bürgerliche Frauengbewegung und die Entstehung des BGB. Köln, Böhlau, 2008, p. 148, 149, 150, 151, 155, 156, 157,159, 160, 162, 164, 166, 167 e 168.

Citado: Engell-Günther, Julie. Die rechtliche Stellung der Frau. Nach Dr. Löwenfeld., in: Der Frauenberuf, 4. Jg. Weimar, 1890, Nr. 5, p. 153-162.

 

Resumos comentados

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Bibliografia crítica

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[1] - Trecho extraído da minuta da conferência que a Profa. Schöck-Quinteros  iria proferir durante um evento (6 e 7 de junho de 2003) em homenagem ao aniversário de 60 anos de Dirk Hoerder. In: Correspondência entre a Profa. Eva Schöck-Quinteros da Universidade de Bremen e o sr. Joachim Tiemann do Instituto Martius-Staden, trocada entre 15/11/2002 e 25/09/2003, arquivada na Pasta G IV b como Doc. Nº 336 deste mesmo Instituto.

[2] - Idem.

[3] - Idem.